sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Paixão Côrtes: ao final da jornada, uma guaiaca cheia de histórias

Entre contadores de histórias e leitores, desponta Paixão Côrtes, personagem inesquecível da Feira

Ele diz não ser escritor, mas escrevinhador. Sem dúvida, é um contador de histórias. Escrevinhando ou falando, Paixão Côrtes terá um punhado de causos para passar adiante depois desta 56ª Feira do Livro que o saudou como patrono. Em mais de uma ocasião na última quinzena, o folclorista foi tomado pela recepção que o público armava a sua passagem: salvas de palmas, sem ensaio, sem motivo.

Ao ser convidado para uma entrevista no estande de uma emissora de rádio e TV, improvisou um dueto com Luiz Carlos Borges. Estava ali para falar, não para cantar, mas não refugou a oferta:
— Ele abriu a gaita e cantei o Hino ao Rio Grande.

Não poderia imaginar o que viria a seguir.
— As pessoas choravam, beijavam minha mão, puxavam meu lenço. Acho até que quebraram umas coisas — recorda.

Lembranças de familiares, de coisas passadas — ele arrisca algumas interpretações para os ânimos tão exaltados.
— Deve ser por emoção, eu não estou pagando nada — diverte-se.

Mas não é preciso dedilhar um instrumento ou impostar a voz para provocar lágrimas. Uma senhora chorava ontem à tarde, sem trilha sonora, emocionada na presença de João Carlos D’Ávila Paixão Côrtes, gaúcho de Santana do Livramento. Circulando pela praça, ele não dá meia dúzia de passos sem ser interrompido para uma prosa rápida. Amante da cultura e das tradições do Estado, não tem hora quando se põe a falar sobre o tema que norteou sua vida.

Apesar dos 83 anos, abraçou com dedicação todos os compromissos do patronato e se esforçou para bem receber os visitantes. Deixou o chimarrão em casa, o hábito não casa com a algaravia do centro da Capital:

— O mate é um estado de espírito, não é uma bebida qualquer como Coca-cola. Tomo de manhã cedo, refletindo — esclarece.

Na segunda-feira, única ocasião em que apareceu pilchado, pediu um refresco — para não forçar demais um braço meio dolorido, a filha o ajudou a distribuir dedicatórias.

— Tenho 50 anos a menos e estou cansado — diz o relações públicas Ricardo Rocha, designado pela Câmara Rio-grandense do Livro para acompanhar o patrono.

Paixão circula tirando som da matraca, objeto de madeira usado no Interior para anunciar festas
— Que invencionice é essa? — questionam citadinos.
— Invencionice nenhuma! — replica o patrono, emendando uma empolgada explicação.

Os adultos apresentam às crianças o homem que serviu de modelo ao artista plástico Antônio Caringi para construir um dos símbolos mais marcantes de Porto Alegre:
— Olha, filho, aquele ali é o Laçador.

O patrono está faceiro: trouxe o tradicionalismo para a praça. Perdeu as contas de quantas vezes fez pose para fotos – mais de mil, estima. Mas com uma ressalva:
— Não sou de palco, não sou de microfone, não sou de holofote. Sou de campo.

Reportagem de Larissa Roso, com foto de Diego Vara,  publicada em Zero Hora em 13/11/2010





Ilustração de O Globo (2000) publicada por Luis Peazê , escritor e jornalista,

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